Designer Founders (Interview)

October 5, 2021 (3y ago)
Interview

Originally published on Medium by Alexandre Paranaguá


No segundo encontro de Design Founders conversamos com Michell Zappa, CEO & Founder da Envisioning. Michell é futurista, designer de informação e fundador da Envisioning: um instituto de pesquisa sobre tecnologia emergente.

Escolha um ponto no tempo, determine um parâmetro para ser o ponto de partida, olhe para um aspecto da sua vida para escolher seu escopo (seja ele pessoal, coletivo, do planeta) e escreva.

Conte como foi sua trajetória empreendedora, a construção da Envisioning e por que ela vai mudar o mundo?

Sou sueco, nascido em Estocolmo em 1982, millenial de primeira geração. De certa maneira o design sempre foi inevitável na minha vida. Não sou designer de formação, mas eu sempre me aproximei no assunto e busquei soluções elegantes e belas em tudo que eu pensei em fazer.

Eu nasci no contexto de hackers dos anos 90: modens, muito tempo no computador, uma certa visão utópica de possibilidades tecnológicas e ideológicas. Essa cultura hacker foi perdida com o crescimento da tecnologia na sociedade como um todo, mas existem alguns fundamentos ideológicos por trás que visam o potencial da tecnologia que era muito presente na cultura internética do inicio dos anos 90 e fez muito parte da minha formação pessoal. Eu cresci passando muito tempo jogando em simuladores como este daqui (The Incredible Machine). Esse jogo representa o melhor que a tecnologia pode nos fornecer: aprender formas melhores de fazer as coisas.

esq. "Artefatos da cultura hacker"| dir. The Incredible Machine

Desde 97 eu estou prioritariamente em São Paulo. Me tornei comunicólogo, mas um livro me marcou enquanto estava na faculdade: Envisioning Information do infógrafo Edward Tufte. Eu o peguei na biblioteca da ESPM em uma tarde entediado e essa quintilogia de livros descreve como trabalhar e contar histórias somente usando representação gráfica de informação. Seja por dados, comportamentos e tantas outras maneiras, existe uma linguagem universal que Tufte de tantas maneiras consegue desenvolver, organizar e codificar nessa serie de livros, começando com Envisioning Information. Envisionar não tem uma tradução perfeita para o português mas significa, além de visualizar, ver com otimismo aquilo que é possível.

Envisioning Information, Edward R. Tufte

Depois da faculdade, me mudei para Amsterdam, onde meu único emprego real foi na TrendWatching. Eu trabalhava como designer criando interfaces web, fazendo gestão de mailings etc. O que aprendi lá foi que qualquer um pode ser futurista. Todo mundo que consiga fazer proclamações sobre aquilo que vai acontecer, seja tendência ou visões, pode se chamar assim. Também foi onde aprendi que é possível construir uma empresa com muito pouco, uma vez que meu chefe, com pouco funding externo e muita garra, uma maneira muito direta de fazer as coisas, e se apoiando em capacidades tecnológicas, conseguiu alcançar 200mil pessoas de uma sala pequena de reunião onde ficava nosso escritório, em 2005, época em que isso ainda era novidade. Conseguimos alavancar isso graças ao conhecimento de web design, que aprendi nos freelas que eu fazia enquanto crescia.

A junção desses skills de design e de fazer previsões, foi a receita para dar forma a Envisioning. Quando estava em Londres, alguns anos depois, eu vinha me colocando o desafio de publicar qualquer coisa. Eu estava absolutamente aborrecido com o emprego e sabia que não fazia sentido me manter na posição de empregado por muito tempo. Sabia que precisava fazer uma coisa minha. Da frustração que se tornou um desejo de publicar alguma coisa obtive esse resultado: Envisioning the near future of technology — um primeiro infográfico publicado em 2011 da soma de mais de um ano de trabalho noturno tentando compilar ideias, percepções e previsões sobre o futuro próximo da tecnologia. Sempre foi um assunto quente na minha vida e não tinha como não falar de outra coisa. Usei a oportunidade para organizar algumas ideias de como que achava que o futuro próximo da tecnologia iria acontecer em uma narrativa de design. Essa especulação para iniciar uma conversa logo achou tração na internet, com muito engajamento envolta e demanda das pessoas sobre esse tipo de conteúdo.

Envisioning the Near Future of Technology, 2011 — Michell Zappa

Assim nasceu a Envisioning como instituição. Envisionando o futuro próximo da tecnologia era o nome da peça e logo o domínio. Com ainda mais informação, começamos a conseguir tração e acelerar a empresa que começou a se especializar em torno deste tipo de trabalho. Primeiro com institutos que queriam trabalhos para desafios e indústrias específicos (futuro da tecnologia de educação, saúde, por exemplo), mas sempre com uma constância em explorar linguagens visuais e formas de contar história, incorporando um aspecto subjetivo dentro das previsões.

Nosso trabalho sempre alavancou o design, uma vez que aplicávamos o nosso processo de pesquisa em processos/projetos de design thinking. Transformamos nossas previsões tecnológicas, por exemplo, em cartas físicas para ser utilizadas em workshops e treinamentos, nos mais diversos lugares do mundo.

Foi mais uma forma de envolver as pessoas em criar narrativas e fazer projeções sobre possíveis futuros e aprender sobre as tecnologias que pertencem ao nosso desenvolvimento. Nós também instituímos transversalmente o design em outros campos da nossa empresa: das visualizações de mapas de calor de tecnologia à pesquisa constante de interfaces de usuário cinematográficas que reúnem uma grande quantidade de informação de forma bela.

Além dos infográficos, também colaboramos muito com ilustradores para que eles nos ajudem a montar as nossas narrativas de muita coisa que ainda não existe. A forma como isso é manifestado requer uma responsabilidade pois temos que ser proativos em como as coisas são representadas quando estamos falando de futuros que não existem ainda.

Atelier: Will. Interactive narrative interface enabling non-linear stories related to database entries

Quando você pensa em design e empreendedorismo, o que torna o designer um líder diferente?

Eu não conheço outra forma de ser, então é difícil comparar a minha experiência com outros. O que posso supor é que é vantajoso se preocupar com aquilo que os outros acham supérfluo. Dizem que magia, a de palco, é você investir mais tempo do que as pessoas achariam crível você ter gastado para fazer determinado número acontecer, em termos de tempo de preparo, e desenvolvimento.

Eu acho que isso se relaciona bastante com o design, pois de muitas maneiras é fácil tratar como um externalidade, algo que pode ser preocupado depois e não trata tanto o cerne na questão. É comum empurrar isso para depois, mas no meu caso, eu não consigo. Eu não sei se outras pessoas têm essa mesma dor, mas certamente comigo isso vem do DNA designer.

No início da Envisioning, quais erros e acertos da criação você se deparou? Vocês seguiram algum tipo de processo?

A única metodologia aplicada foi o famoso bootstraping. Essa expressão que significa que você tem que se levantar pelos próprios cordões resume bem. Estamos sempre se virando, nunca tivemos apoio externo — foi e continua sendo uma escolha. Acreditamos em uma visão compartilhada de o que e como aquilo deve ser feito — de que tudo que fizemos tem que vir a ser um bem público.

Nosso objetivo com tudo que trabalhamos é criar uma base de conhecimento sobre todas as tecnologias livremente para o mundo.

O que nos move é acreditar nessa visão e ao mesmo tempo saber executá-la aos poucos em um aprendizado constante.

Por que você acha que ainda existem poucos designers/founders no Brasil?

Não sei se consigo responder, porque somos um povo onde não falta empenho, que tem necessidades e vontade para fazer as coisas acontecerem. Tão pouco, acho que faltem designers. Nosso padrão em embalagens, experiência de usuário e marcas tem um alto nível de entrega, o que leva a crer que existe um mercado bem servido. Mas porque faltam founders é difícil dizer, mas ambos públicos estão lá.

Quando se fala de design, o que você imagina que vem no futuro?

Espero que mais sensibilidade. O design pode ser visto como algo supérfluo como algumas instituições ainda o consideram, porém ele é cada vez mais um aspecto integral de tudo aquilo que a gente faz. Para se comunicar, desenvolver um produto e se relacionar com o mercado é preciso saber usar design.

Olhando para o passado e considerando que hoje fosse o 1º dia da Envisioning, o que você faria de diferente?

YOLO — não mudaria nada. Tenho certeza de que não daria para pensar nisso. Aprendemos somente daqui para frente.

Estamos sempre projetando o futuro a partir do nosso ponto de vista individual. Quais os esforços de vocês para garantir que não estão colocando no mundo uma visão de futuro enviesada?

Eu adoro essa pergunta porque ela me deixa desconfortável uma vez que não fazemos o suficiente para responder por completo. A gente tenta trazer diferentes conjuntos de habilidades para os projetos, mas uma lacuna muito reconhecida é que o trabalho feito seria exponencialmente mais rico se a gente pudesse trazer mais e diversas perspectivas para aquilo que é entregue. Hoje a gente coloca um contexto tecnológico dentro da perspectiva de até umas 5 pessoas, mas queremos, à medida que nos tornamos uma plataforma, trazer uma pluralidade de todas as vozes possíveis que queiram participar desse diálogo.

É por essa razão que a gente acredita muito em oferecer a base como ponto de partida coletivo. Hoje nós não conhecemos nenhuma base detectora de tecnologias. Para nós, a única forma de garantir essa diversidade para as pessoas é trazer esse tipo de informação de maneira aberta e sustentável, assim como um IMDB age para os filmes.

Como vocês costumam educar possíveis clientes?

Existem algumas formas de enquadrar isso. Sinto que é positiva a desconfiança em trocar as tecnologias e acelerar as mudanças, em um mundo que já está frenético. Estou também começando a entender como que diferentes desejos e afinidades por tecnologia corresponde com diferentes públicos.

Há uma minoria que se empolga e é mais desbravadora, enquanto a outra vasta maioria ainda quer que os outros testem antes e apontem os bugs. Esse público majoritário adota com parcimônia. Antes de educar é preciso reconhecer essa distinção de públicos.

Novamente, acho saudável e necessário. Há 10 anos atrás eu talvez diria algo diferente, reforçando que deveríamos acelerar ou otimizar a adoção tecnológica, mas isso não se sustenta. É esse futuro mais otimizado, rápido, eficiente que a gente quer? Provavelmente não pois muitos dos problemas que temos como sistema coletivo hoje, é fruto da má utilização das tecnologias: o fato de meia dúzia de bilionários do mundo ser dona de uma porcentagem tão grande da economia global graças à tecnologias recentes que externalizam muita coisa. As redes sociais por exemplo otimizam o engajamento que gera um stress coletivo, mas isso é posto de lado em uma balança moral.

Quando vamos adentrar alguma instituição, além de entender sua maturidade e disposição à adoção, a gente tenta provocar esse olhar social para a tecnologia.

Hoje em dia vivemos em um mundo que em muitos momentos pensa sobre os futuros de forma muito distópica. Na sua visão e experiência, de que forma, o futures literacy pode ajudar as empresas a pensarem de forma mais positiva os impactos da tecnologia?

Futures literacy — em português alfabetização ou letramento de futuros.

Ele pode nos ajudar a responder essa questão pois muitos a sua aplicação no plural para que não seja encarada como previsão e passemos a abandonar a noção de uma única possibilidade. Academicamente falando, ele é uma habilidade que tem por objetivo trazer à consciência o papel que o futuro tem sobre o presente e o que é possível ser feito a fim de mudar isso.

O futuro é invisível e o letramento de futuros tem como proposta expor o papel que esses futuros têm no presente e consequentemente mudar.

Se visto como uma extensão de tudo aquilo que temos hoje (instituições, crenças, certezas) o futuro já foi definido e é muito diferente fugir dele. Mas de muitas maneiras, o futuro é invisível e o letramento de futuros tem como proposta expor o papel que esses futuros têm no presente e consequentemente mudar. É um movimento apoiado pela UNESCO, que considera ele uma habilidade importantíssima para o século XXI. Para as organizações é uma oportunidade de tornar consciente a responsabilidade que elas têm com um produto lançado.

As vezes é muito fácil esquecer que fora da nossa organização existe um mundo e o que o letramento faz é trazer mais à tona uma ação mais responsável, ao fazer perceber o tanto que está em jogo pelas ações de hoje.

Como vocês explicam o valor do material que vocês criam para o mercado? E como alimentam a ideia de instigar novas narrativas a partir de uma interação gráfica?

Se tivesse me perguntado isso há uma década, se depois de 10 anos a gente teria uma clareza quanto ao valor que trazemos para os nossos clientes eu diria que sim. Mas não é o caso uma vez que futuros são organizados de maneiras plurais e organizações encontram valor e uso, surpreendentemente de maneira diversa no nosso trabalho.

O que temos certo são nossas ferramentas e processo. Nos profissionalizamos e continuamos a evoluir o método de descobrir, avaliar, medir e estimar tecnologias constantemente. As previsões apodrecem e por essa razão existe um esforço contínuo. Mas a utilização que isso tem é muito variada. Existem temas, comportamentos que se repetem, mas no final é muito diferente de vender um pão já que não é objetivo como matar sua fome. O que oferecemos é uma inspiração.

Hoje ela pode ser traduzida em, por exemplo, um treinamento auxiliado por nossas ferramentas em uma sessão de design thinking que visa resolver um problema de negócio específico. Ou na construção de um roadmap tecnológico que cria caminhos e previsões de investimento e manifestações de sua utilização. E nos casos que são puramente inspiracional, agimos para aumentar os escopos de possibilidades do que estamos vendo acontecer e queremos expandir isso.

Ainda estamos achando esses espaços.

O que podemos fazer para influenciar culturas futuras?

Acho que a coisa que fez a maior diferença no meu percurso de vida foi fazer previsões. Hoje elas são uteis pois estimulam certo tipo de conversa e sinto que há 10 anos quando isso começou, o fato de ter feito previsão, qualquer uma pode ser um ato de afirmação sobre o futuro. Errar ou acertar não é o ponto mais importante, mas sim estar manifestando sua visão, opinião e o seu sentimento sobre.

Isso é infinitamente escalável pois qualquer pessoa aqui pode pegar um caderno e pensar como será o mundo daqui 10,15, 30 anos. Escolha um ponto no tempo, determine um parâmetro para ser o ponto de partida, olhe para um aspecto da sua vida (seja ele pessoal, coletivo, do planeta) para escolher seu escopo e escreva. Não existe fórmula certa e isso pode ser surpreendente em quão certo ou preciso sem querer.